sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Mapear a utilização da água potável

Empresas discutem como mapear a utilização da água potável para que o recurso não se esgote

Fonte:
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/uma-pegada-sobre-o-uso-da-agua

Um relatório publicado pela Coca-Cola em parceria com a organização Nature Conservancy, no mês passado, divulgou que são necessários 518 litros de água para produzir apenas um litro do suco de laranja Minute Maid e 35 litros para produzir meio litro de Coca-Cola.
Uma preocupação crescente sobre quanta água é necessária para produzir bens de consumo tem aumentado o interesse sobre as “pegadas da água” – algo parecido com o rastreamento feito com o carbono – como uma ferramenta para analisar e guiar o desenvolvimento de novas tecnologias, infraestrutura de investimentos e políticas para lidar com a crescente demanda mundial por água.
Conceitualmente, essas pegadas são similares às de carbono – um indicador de impacto baseado no volume total direto e indireto de água limpa utilizada para produzir um bem ou serviço. No entanto, há uma diferença. Ao contrário do carbono na atmosfera, as fontes de água limpa são restritas a algumas regiões, e não globais.
“Água não é carbono”, disse Jason Morrison, diretor do Pacific Institute, uma organização de pesquisa em Oakland, Califórnia, que estuda assuntos ligados a fontes sustentáveis. “Independente do que digam sobre o carbono, será extremamente difícil conseguir o mesmo sucesso com a água porque um determinado volume de água tem um significado diferente em várias partes do mundo”.
Ainda assim, em julho, a Veolia Water North America, uma estação de tratamento de água com sede em Chicago e parte da unidade francesa da Veolia Environnement apresentou seus índices de impacto da água. A empresa afirmou que é o primeiro indicador a oferecer uma avaliação compreensiva dos efeitos da ação humana em fontes de água.
“O foco atual das pegadas de água é quase exclusivamente sobre volume”, conta Laurent Auguste, diretor-presidente da empresa. O volume, disse ele, é “um bom indicador para aumentar a conscientização, mas não é suficiente para representar o impacto causado numa fonte”.
O volume de água necessário para produzir um suco de caixinha ou uma garrafa de Coca-Cola, por exemplo, pode ser estabelecido; mas o efeito causado numa fonte de água e no meio ambiente local pode variar absurdamente – incluindo também a quantidade de energia e matérias primas usadas, além de químicos e outros resíduos de contaminação criados durante o processo.
Para se ter uma idéia geral, o indicador da Veolia integra outras variáveis, incluindo a pressão em fontes, qualidade de água e necessidades de consumo competitivas com ferramentas de medição de volume de água.No entanto, alguns analistas questionam a utilidade dessa abordagem.
Claudia Ringler, pesquisadora do International Food Policy Research Institute, com sede em Washington, disse que a pegada de água é um bom conceito na teoria, mas não tanto na prática. “É quase impossível realizar uma análise compreensiva”, conta Ringler. “É preciso ter muito cuidado antes de tirar conclusões baseadas nas pegadas.”
David Zetland, economista especializado em recursos e agricultura na Universidade da Califórnia em Berkeley, disse que as pegadas de água contam muito pouco, a não ser que, de início, a água fosse tabelada de acordo com o seu valor. Se a água fosse completamente tabelada, conta ele, o preço de bens de consumo refletiriam a quantidade de água que foi utilizada em sua produção. Como muitos consumidores não entenderiam e não ligariam muito para o assunto, Zetland disse que eles iriam prestar mais atenção no preço da água do que em um certificado no rótulo.
Do ponto de vista das empresas produtoras, ele complementa, se o abastecimento de água fosse gratuito, ou quase de graça, as pegadas de água e investimentos sobre eficiência continuariam supérfluos. “As pegadas de água não tem valor operacional, econômico ou social para as empresas se o custo de mão de obra e equipamentos para redução do consumo de água excede o custo de água economizada”, disse Zetland.
O problema, conta ele, é que o preço da água raramente reflete seu valor ou escassez. “O preço de muitos produtos combinam o valor aos consumidores com o custo de produção e entrega”, disse Zetland. “Uma vez que o preço da água reflete somente o custo de entrega – já que a água em si não é cobrada – nós não pagamos um valor que reflita a escassez da água.”
Ainda assim, nem todos os especialistas rejeitam a causa. Embora as pegadas de água estejam em estágio inicial, e não exista acordo sobre quais variáreis devem ser levadas em consideração, ferramentas como o indicador da Veolia poderiam ajudar a mapear os riscos associados ao uso de água em regiões específicas, disse Morrison, o diretor do Pacific Institute.
Um levantamento recente do instituto, preparado para o Programa Ambiental das Nações unidas, avaliou diferentes ferramentas para o estudo sobre a água e descobriu que muitas, ainda que em desenvolvimento, seriam fundamentais para empresas e suas avaliações de risco, impacto e gerenciamento sobre a água, acrescentou Morrison.
O mercado da água está cheio de distorções, disse Ringler, pesquisadora do International Food Policy, e é praticamente impossível criar um mercado internacional competitivo. Mas há exemplos de sucesso em alguns países, como a Austrália e o Chile.
Michael Van Patten é diretor e fundador do Mission Markets, uma empresa de serviços financeiros que opera com o Earth, um tipo de câmbio multi-ambiental regulado pela Financial Industry Regulatory Authority dos Estados Unidos. “Podemos estar muito distantes ainda, mas o potencial é enorme”, disse ele. “O mundo inteiro sabe que temos um problema de água e ninguém conseguiu resolvê-lo ainda. Essa é uma das maneiras de se chegar à solução.”
O plano de Van Patten é desenvolver créditos cambiáveis entre os projetos de reservas de água. Eles poderiam ser adquiridos por empresas, países ou qualquer comunidade que possuam impacto direto no abastecimento de água.
Enquanto ainda não existe nenhuma regulamentação nos Estados Unidos para conduzir tal mercado, os programas de crédito, se administrados corretamente, poderiam auxiliar no estímulo de proteção ambiental reduzindo os custos que isso envolve, conta Christian Holmes, consultor para energia e meio ambiente da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional.
Ainda assim, disse Charles Iceland, membro do World Resources Institute, a água é um assunto político, e decisões restritas não podem ser tomadas com base unicamente na eficiência econômica.
“Seja qual for a tática inventada, a igualdade deve prevalecer”, disse Iceland, “para que as pessoas tenham o direito humano de acesso à água.”

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